Pesquisar neste blogue

domingo, 2 de setembro de 2012

Espancamento de palestiniano por adolescentes judeus provoca debate

02.09.2012 - 11:15 Por Maria João Guimarães

Foi um incidente isolado ou é o "novo normal"? O que quer dizer sobre a sociedade israelita, os seus jovens, a violência racista no país? E sobre os políticos? 

O ataque violento de um grupo de nove adolescentes judeus, todos menores excepto um de 19 anos, a um palestiniano de 17 anos, deixou o país em choque e à procura de respostas.

Porque é que naquela noite o grupo de israelitas perseguiu Jamal Julani, um palestiniano de 17 anos, o agrediu e pontapeou perante dezenas de pessoas que assistiam à violência, deixando-o inconsciente e quase morto - na verdade, foi reanimado pelos serviços de emergência que entretanto foram chamados à Zion Square, onde tudo aconteceu.

Os media não largaram a história, e os adolescentes foram formalmente acusados na terça-feira, pouco mais de uma semana após a agressão.

O professor de Sociologia da Universidade de Telavive Giora Rahav explicou, numa conversa com o PÚBLICO, que a grande atenção dada ao caso tem a ver só parcialmente com o seu grau de violência. Tem ainda a ver com o facto de "a grande maioria dos judeus não quererem violência de civis - a violência é reservada aos militares", sublinha.

Outro factor: "Foi claro neste caso que não houve uma provocação, não houve nada que pudesse de algum modo legitimar a agressão."

Isto, mesmo que o porta-voz da polícia, Micky Rosenfeld, ainda tenha avançado que uma possível explicação poderia ter tido a ver com um ataque de natureza sexual a uma adolescente judia de 15 anos por um grupo de jovens árabes. A adolescente teria ido para junto de um grupo de adolescentes queixar-se.

"Quem quiser mostrar que é um homem venha bater nos árabes", terá dito um dos adolescentes. O grupo começou a gritar "morte aos árabes" e lançou-se numa perseguição contra todos os que foram encontrando - alguns foram expulsos do local, outros fugiram, mas Jamal Julani não conseguiu correr com rapidez suficiente e foi o alvo da violência.

Para Giora Rahav, este "é um caso radical e talvez isolado - o que não quer dizer que não seja baseado numa tendência nacionalista de ódio aos árabes e aos estrangeiros em geral muito generalizada e aceite".

"Este incidente sublinha as tensões que há entre judeus e árabes na sociedade israelita em geral", diz. "A violência baseada no conflito entre judeus e árabes israelitas ou entre judeus e palestinianos é uma presença constante em Israel."

Em tribunal, o principal acusado do grupo, de 15 anos (oito dos nove eram menores, o mais novo tinha 13 anos, entre eles havia duas raparigas), não expressou quaisquer remorsos. "Ele podia morrer, isso não me importa. Ele insultou a minha mãe", disse ao juiz, segundo o diário israelita de grande circulação Yediot Ahronot. "Se o apanhar, bato-lhe. Ele deve morrer. É um árabe."

Quanto à vítima, começou a ouvir falar do que lhe aconteceu pelos media. "Não me lembro nada do incidente e não faço ideia do que é que toda a gente fala", disse ao Yediot Ahronot Jamal Julani quando teve, na semana passada, alta do centro médico onde recuperou, depois de ter passado por um estado de coma. "Só me lembro que ia comprar roupa para a festa [comemorava-se um feriado muçulmano] e depois acordei no hospital."

É ainda de ter em conta o local onde aconteceu. Primeiro, Jerusalém, "a única frente urbana em que palestinianos de Jerusalém Oriental como da Cisjordânia se misturam com a população judaica", sublinha o sociólogo.

Dentro de Jerusalém, fazemos um zoom para a Zion Square: "É um local de encontro para jovens que tem um background de violência e é um ponto central da cidade relativamente perto de Jerusalém Oriental e é ainda muito perto da linha que divide o sector judaico entre ultra-ortodoxos e judeus menos religiosos", comenta Giora Rahav.

"Tem um ambiente muito propício à violência. Este crime tem algumas semelhanças com crimes de ódio nos Estados Unidos ou Rússia ou Inglaterra ou Bélgica", diz ainda o professor da Universidade de Telavive.

Violência intolerável

"Há actos de ódio, criminosos, frequentemente na Cisjordânia, aos quais o público israelita é, em geral, bastante indiferente, porque é longe", nota, pelo seu lado, o professor de Psicologia da Universidade de Haifa Gavriel Salomon, em declarações ao diário francês Le Monde. "De repente, acontece em Israel e isso provoca um choque, porque é perto de casa. Isso as pessoas não podem tolerar."O primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, não reagiu de imediato, criticam alguns jornais. Mas, quando o fez, declarou que este tipo de violência era intolerável.

No entanto, vários peritos dizem que os próprios políticos no Governo têm contribuído, e em muito, para este ambiente com as suas declarações e acções.

Cidadãos de terceira

"O ataque brutal ao adolescente palestiniano é um resultado directo da política discriminatória de Israel", escreveu Yehudit Oppenheimer, directora executiva da ONG israelita Ir Amin, que defende uma "solução estável e justa para Jerusalém".

"Devido a esta política, os jovens que moram em Jerusalém vêem os habitantes palestinianos como cidadãos de terceira classe que não têm quaisquer direitos na esfera pública", argumenta.

Esta atmosfera ultrapassa, porém, as fronteiras municipais de Jerusalém. Por exemplo, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Avigdor Lieberman, já propôs repetidas vezes a transferência dos árabes que vivem em Israel para os territórios palestinianos.

E não são só os palestinianos os alvos desta retórica: o ministro do Interior, Eli Yishai, disse que a expulsão de imigrantes era "uma missão nacional" e defendeu que todos os imigrantes de origem africana fossem expulsos.

O Governo ordenou à polícia que comece a deter imigrantes sudaneses a 15 de Outubro, no que grupos de ajuda a imigrantes têm classificado como uma acção "racista" e que viola a convenção de refugiados da ONU, da qual Israel é signatário. Alguns dos imigrantes sudaneses que Israel quer expulsar são sobreviventes do genocídio no Darfur.

"Há uma ligação directa entre este incidente e a cultura de ódio aos árabes que a direita vem a cultivar há anos", comentou o jornalista Gal Uchovzki ao diário Le Monde. "Quando o primeiro-ministro demora tanto tempo a condenar e a oposição se cala, os autores do linchamento só tiram uma conclusão: as pessoas estão a apoiar-nos."