por Nuno Escobar de Lima
Na Ucrânia, o Campeonato da Europa foi-se tornado vítima das sucessivas
lutas políticas de um país ainda dividido entre o Oeste, que puxa em
direcção à União Europeia (UE), e um Leste que continua a olhar para
Moscovo. No Euro-2012, as duas Ucrânias estarão representadas por Lviv, a
Ocidente, e Kharkiv, a Oriente.
Lutas que se esperavam resolvidas
quando, em 2003, partiu desta ex-república soviética a ideia da
organização conjunta de um Europeu de futebol. O então Presidente,
Leonid Kuchma, acenara ao Ocidente com a assinatura de um protocolo de
cooperação com a NATO e com a vontade de aderir à Aliança Atlântica. E
ainda antes de Kuchma se voltar novamente para Moscovo, depois de ver a
sua credibilidade no Ocidente minada por sucessivos escândalos de
corrupção, o Presidente da federação ucraniana sugeriu a ideia de
organizar um Europeu com a Polónia.
Uma proposta que recebeu
imediata aceitação do outro lado da fronteira: Aleksander Kwasniewski, o
Presidente que liderou a adesão polaca à NATO e à UE, viu na ideia uma
forma de aproximação ao vizinho.
Mas desde então a Ucrânia deu
muitas cambalhotas políticas, sempre com o delfim de Leonid Kuchma,
Viktor Yanukovich, em jogo. Primeiro na batalha de sucessão de Kuchma,
que provocou a Revolução Laranja, movimento que haveria de evitar uma
vitória fraudulenta de Yanukovich. Centenas de milhares de pessoas
saíram às ruas das principais cidades do país para denunciar uma fraude
que demorou um mês ao Supremo Tribunal para detectar. Os juízes mandaram
repetir o voto e Yushchenko foi eleito Presidente. Como combinado na
oposição, a aliada Iulia Timochenko foi nomeada primeira-ministra.
Sem fundos
E
foi ele, Yushchenko, quem esteve ao lado de Lech Kaczynski, o então
Presidente polaco, quando os dois países receberam a missão de organizar
o Euro. Mas a partir daí a sua relação com Timochenko foi-se
deteriorando: «Como podemos falar do Euro-2012 quando o seu
orçamento prevê 4,5 mil milhões do fundo de estabilização mas só 330
milhões foram disponibilizados?», perguntava em 2009 um Presidente desesperado pela falta de apoio do Parlamento.
A
três anos do evento que irá deixar o mundo de olhos postos no país, a
Ucrânia ainda discutia a alocação de fundos para pôr em prática o seu
plano de modernização que previa um investimento superior a 15 mil
milhões de euros. Num país onde dois dos estádios do Euro distam em 1500
quilómetros, só cinco mil milhões foram destinados à modernização das
estradas. Também os transportes públicos foram alvo de intervenção – na
Polónia há locomotivas pintadas com as cores das 16 selecções
participantes –, embora entretanto se tenham abandonado projectos como o
metropolitano de Donetsk, que seria o quarto na Ucrânia.
Assim
se foram sucedendo os escândalos de corrupção: primeiro caíram ministros
dos transportes, depois das obras públicas, até que acabaram também por
‘crucificar’ o Presidente e a respectiva governante. Yushchenko por ter
caído em desgraça, Timochenko por perder nas presidenciais frente a
Yanukovich. O actual Presidente acabou por acusar a adversária de
traição à pátria num negócio assinado com a Rússia, levando a que fosse
condenada a sete anos de prisão. As recentes denúncias de tortura de
Timochenko levaram vários líderes europeus a ameaçar boicotar os jogos.
Uma ameaça afastada pelo primeiro-ministro polaco, Donald Tusk: «Podemos
limitar-nos a apoiar as nossas equipas. Não temos de abraçar líderes
que acreditarmos serem desrespeitadores das normas» , afirmou
após recente encontro em Bruxelas, sem deixar de mostrar que as relações
entre os dois países já conheceram melhores dias.
Apesar de
também ter tido os seus percalços – o sindicato mundial de trabalhadores
da construção, BWI, denunciou 14 mortes nos dois países e mais de 1.500
violações às leis de segurança no trabalho –, o estaleiro polaco foi
elogiado pela UEFA: «Posso dizer que poucos países europeus podem competir convosco, não só em termos de estádios como de infra-estruturas», afirmou o director da prova, Martin Kellen, depois de vistoriar os progressos.
Para
Tusk e os políticos de Varsóvia, o pânico agora é outro: no início de
Março o jornal polaco Puls Biznesu noticiou que a UEFA teria vendido o
camarote presidencial do Estádio Nacional de Varsóvia ao milionário
russo Roman Abramovich e começou a circular o rumor de que Vladimir
Putin seria seu convidado.
Com um Polónia-Rússia a abrir o
torneio no dia 8, o Presidente polaco não deu tempo ao dono do Chelsea
para desmentir a notícia. A sua porta-voz, Joanna Trzaska-Wieczorek,
afirmava ao Super Express que «o camarote presidencial é apenas
em nome, não significa que o Presidente da Polónia tenha de se sentar
ali. Bronislaw Komorowski irá ver o jogo na companhia de Michel Platini
na zona de convidados da UEFA». Outro porta-voz, desta vez do milionário russo, viria a confirmar a presença de Abramovich em Varsóvia mas realçando que «a informação veiculada na imprensa polaca não tem fundamento».
Ainda
assim, e sem nova tomada oficial do Presidente, o líder da oposição
polaca, Jaroslaw Kaczynski, recuperou o tema na última semana. Em
conferência de imprensa no exterior do estádio, o irmão do antigo
Presidente foi categórico ao apelidar de «escândalo presidencial» a hipótese de Putin, como convidado do amigo Abramovich, estar no lugar que «pertence ao Presidente da Polónia, ao primeiro-ministro, ao líder da Assembleia e seus convidados»
Com
tanto volte-face, resta a consolação de que para a próxima a história
será mais fácil de contar: por baixo do relvado em Varsóvia, nos
escombros do Estádio 10.º aniversário, está uma cápsula do tempo com
notas e moedas actuais, exemplares da imprensa de 7 de Outubro de 2009, a
bandeira da Polónia, da cidade de Varsóvia e da UE. E em cima um
estádio de última geração, que promete um futuro risonho ao Euro-2012.
nuno.e.lima@sol.pt
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