04.06.2012 - 15:30 Por Clara Barata
Barack Obama é o primeiro cibercomandante-chefe dos Estados Unidos.
Autorizou ataques com vírus informáticos que produziram estragos físicos
como se fossem armas analógicas e não digitais nas instalações
nucleares de Natanz, onde o Irão enriquece urânio.
O vírus Stuxnet, cuja autoria os especialistas de segurança informática
atribuíam a um Estado, muito possivelmente os Estados Unidos, resultou
mesmo de uma operação norte-americana, coordenada directamente pelo
Presidente, afirma um livro do jornalista do
New York Times David Sanger.
Obama
é um Presidente sem medo da tecnologia. Aliás, é o Presidente que
incorporou a tecnologia de forma decisiva na estratégia que aplicou para
prosseguir as guerras que herdou da Administração de George W. Bush, de
uma forma profunda e da qual nem os próprios norte-americanos têm ainda
bem consciência. A faceta mais conhecida dessa guerra tecnológica é o
uso dos drones, as aeronaves operadas remotamente, usadas para ataques
cirúrgicos no Afeganistão, no Paquistão, no Iémen e na Somália, mas que
por vezes atingem alvos civis. David Sanger, no livro
Confront and Conceal: Obama"s Secret Wars and Surprising Use of American Power - que será publicado a 5 de Junho e do qual o
New York Times
publicou um extracto na sexta-feira -, começou a desfiar parte de uma
outra utilização da tecnologia na guerra, mais precisamente da frente da
ciberguerra.
O vírus Stuxnet lançou o caos em Natanz,
destruindo pelo menos 1000 das cerca de 5000 centrifugadoras onde então o
urânio, sob a forma de gás, era depurado, purificado, para obter
concentrações mais puras deste elemento radioactivo usado para alimentar
centrais nucleares - ou, em concentrações acima de 90%, para produzir
armas nucleares. Os problemas em Natanz foram testemunhados pelos
inspectores da Agência Internacional de Energia Atómica, que na altura
não faziam ideia do que passava - tal como os iranianos, aliás. O que o
jornalista do
New York Times afirma é que estas avarias
sucessivas, que levaram até a despedimentos, foram causadas por uma
infecção com um vírus criado à medida das instalações de Natanz, por
cientistas norte-americanos e israelitas.
A afirmação de David
Sanger não surge do nada. Os analistas da empresa de segurança
informática Symantec e um alemão especializado na segurança de sistemas
de controlo industriais, como o controlador lógico programável da
Siemens que era usado em Natanz para manter em operação as
centrifugadoras, chegaram a essa conclusão através de um laborioso
trabalho de análise de um código que é 50 vezes maior do que o
tradicional vírus de computador, relatava a revista
Wired em Julho de 2011.
O
vírus é extremamente sofisticado - inclui quatro programas de "dia
zero", que se baseiam em encontrar vulnerabilidades que até mesmo os
fabricantes ainda não descobriram nas aplicações informáticas. Dos mais
de 12 milhões de software danoso que é descoberto anualmente pelos
especialistas de segurança informática, só cerca de uma dezena faz
ataques de "dia zero", dizia ainda a
Wired.
As suspeitas de BushSe
Obama foi quem lançou em força a operação contra o Irão, a ideia foi
iniciada em 2006, com George W. Bush. Nessa altura, o projecto Jogos
Olímpicos começou a desenvolver o "bug", como era conhecido quando Bush o
passou a Obama, relata David Sanger. Nessa altura, o Presidente Mahmoud
Ahmadinejad mostrava aos jornalistas as instalações de Natanz e as suas
grandes ambições de ali instalar 50 mil centrifugadoras - o que parecia
suspeito para um país com um único reactor nuclear, cujo combustível
vem da Rússia e que assegura que o seu programa nuclear tem fins
exclusivamente civis. O objectivo seria enriquecer urânio até um nível
que pudesse vir a ser usado em armas?
Entre bombardear o Irão,
como defendiam os falcões da sua Administração e os israelitas, explica
David Sanger, e a nova ideia que lhe foi apresentada pelo general James
E. Cartwright, Bush escolheu a aposta na ciberguerra.
O primeiro passo foi conseguir penetrar na rede
interna de Natanz, que não está ligada à Internet. Para isso foi precisa
a ajuda de Israel. E o primeiro vírus inserido não foi o Stuxnet: foi
um outro cuja missão era detalhar o funcionamento interno dos
computadores que controlam as centrifugadoras, que giram a velocidades
tremendas, e enviar essa informação para os EUA - "telefonar para casa".
Só assim se poderia conceber o código adequado para tomar conta das
centrifugadoras. O processo foi demorado, relata o jornalista do
New York Times,
mas resultou. Embora tenha havido um erro grave: o vírus saiu para a
Internet, para o mundo, quando isso nunca deveria ter acontecido. Os
norte-americanos culpam os israelitas. Mas foi por ter escapado que foi
descoberto e deslindada, em grande parte, a sua origem, pelas empresas
de antivírus.
Novos riscosSe o Irão tem sido o alvo
primordial da experiência de ciberguerra norte-americana, os resultados
têm sido discutíveis - há quem diga que atrasaram o desenvolvimento das
suas capacidades de enriquecimento de urânio 18 meses a dois anos, mas
também há quem note que o país acelerou o seu desenvolvimento nesta área
nos últimos tempos.
Mas os EUA, sobretudo, atravessaram uma
fronteira decisiva. Enquanto alguns elementos da Administração
pressionam para que a mesma tecnologia seja usada contra a Coreia do
Norte, contra a Síria, as operações da Al-Qaeda, ou até para interferir
nos planos militares chineses, o Presidente Barack Obama parece manter a
consciência de que está a levar o seu país para um novo território, diz
David Sanger.
"Obama disse repetidamente aos seus assessores
que há riscos em usar - e sobretudo em usar excessivamente - esta arma.
Na verdade, nenhum país tem uma infra-estrutura mais dependente dos
sistemas informáticos, e por isso mais vulnerável a ataques, do que os
EUA", escreve o jornalista. "É só uma questão de tempo, dizem os
especialistas, até que [os EUA] se tornem alvo do mesmo tipo de arma que
os americanos usaram, secretamente, contra o Irão."
Flame, o espião perfeitoHaverá
uma nova arma de ciberguerra à solta na Internet no Médio Oriente por
estes dias? O Flame, um outro vírus, 40 vezes mais complexo que o
Stuxnet, está a infectar computadores sobretudo naquela região, sendo o
Irão o país mais infectado, alertou esta semana a empresa de segurança
informática russa Kaspersky.
Embora pareça ter sido escrito por
outros programadores, a sua complexidade e raio geográfico da infecção
faz de novo suspeitar que haja um Estado por trás, e não apenas
cibercriminosos, escreve a Wired. Aliás, a Kaspersky começou a
investigar o vírus a pedido da União Internacional de Telecomunicações,
um organismo da ONU, diz a empresa. O que desencadeou a investigação foi
o facto de estarem a desaparecer dados de computadores do Ministério do
Petróleo de Teerão e da Companhia de Petróleo Iraniana.
Se o Stuxnet espantava por ser grande, com 500
kilobytes, o Flame é arrasador, com os seus 20 megabytes. E se o Stuxnet
tinha um objectivo muito concreto, o de perturbar o funcionamento das
centrifugadoras usadas nas instalações nucleares de Natanz, o Flame é
uma espécie de espião perfeito: consegue activar o microfone interno do
computador para gravar todas as conversas, ou o bluetooth para se ligar a
todos os aparelhos em redor que o tenham activado, e obter números de
telefone e passwords, por exemplo. E ao mesmo tempo vai farejando a rede
a que está ligado o computador, em busca de coisas que possam ser
interessantes. O New York Times diz que a Administração Obama nega que o
Flame, cujo código parece ter pelo menos cinco anos, seja parte da
operação Jogos Olímpicos. Mas nega-se a comentar se os EUA serão
responsáveis pelo ataque actual que, segundo a Kaspersky, afecta 1000
computadores. Serão poucos, mas este vírus "reescreve a definição de
ciberguerra e ciberespionagem", escreve Aleks, um especialista da
Kaspersky, no blogue da empresa.
in publico.pt