a boa distância
Tudo partido, novo partido?
SEM GRANDEZA A escolha do Presidente da República por sufrágio universal é uma aposta na grandeza da política. A Constituição dá aos Portugueses a oportunidade de colocar no topo do sistema político um cidadão. Um só. Que terá de responder por si mesmo, e de exercer o cargo com base numa visão do País e do seu futuro livre das pressões, dos interesses, dos partidos e das pequenas paixões. É o encontro de um homem e de um povo.
A vida democrática divide, o que é normal: os partidos guerreiam-se, as instituições querelam, os cidadãos opõem-se. O Presidente deve, por isso, introduzir outra dimensão e outra prática na vida democrática, incarnando a História do seu País e as principais expectativas do seu Povo. É a sua missão.
Só assim ele pode unir e inspirar os cidadãos. Em épocas de crise, como a que vivemos, esta capacidade pode ser vital, tanto para os governos como para os governados. Infelizmente, Cavaco Silva tem mostrado uma contumaz dificuldade em consegui-lo. Ou faz de menos, ou faz de mais, mas sempre atabalhoadamente, tanto no conteúdo como no timing.
Os últimos meses têm sido calamitosos, tudo indiciando que é muito forte, e pode mesmo ser irreversível, o processo da sua descredibilização junto dos portugueses. O "prefácio" ao seu último livro foi mais um imprudente passo nessa via que, a manter-se, terá consequências de monta na vida política nacional. Não é certamente por acaso que, a quatro anos de distância, começam já a aparecer sondagens presidenciais...
O que parece confirmar-se é que Cavaco Silva deixou há muito de fazer história, para se preocupar sobretudo em "polir" o seu papel nela. O paradoxo é que, quanto mais isso acontece, mais negativo e insignificante se revela o seu retrato final.
SEM FUTURO
Nada disto ajuda o PS e o seu "novo ciclo". O ataque de Cavaco Silva ressuscitou o espectro socrático e os seus fantasmas, de resto num momento muito conveniente para desviar as atenções da revelação das escabrosas conversas de Sócrates com o reitor da Universidade Independente, e dos novos afloramentos de velhos "casos" que entretanto se adivinham...
As últimas eleições legislativas deixaram uma herança envenenada nas mãos do PS e da sua nova liderança, com o País à beira da bancarrota e o caminho mais recente pejado de erros políticos de palmatória.
Quando o PS mais precisa de um debate interno, aberto e sem quaisquer tabus, sobre a última legislatura, este "ajuste de contas" presidencial provocou um "cerrar de fileiras" e uma postura irracional que mistura o politicamente discutível com o eticamente indefensável.
Se ficar refém deste passado, o PS corre o risco de não ter futuro. Pode um Partido ser condicionado por meia dúzia de militantes que agem como a guarda pretoriana de um antigo líder vagamente exilado? E que estão mais preocupados em proteger-se e retocar o retrato do passado, do que em lançar as bases do futuro? Esperemos que não, porque esse é o caminho certo para perder o respeito dos portugueses. É um suicídio político.
SEM SAÍDA
O mais extraordinário é que parece não haver, na classe política, a noção da extrema gravidade da situação em que se encontra Portugal e a nossa democracia. O "freak show" está instalado: o Presidente entrega-se ao veneno do ressentimento, o PS agita-se encurralado entre a herança socrática e o novo ciclo, os comunistas revivem a nostalgia bolchevique e o Bloco junta a tudo isto mais algumas causas fracturantes, que o ultra-liberalismo agradece...
O primeiro-ministro diz que mantém o rumo, mas na verdade parece andar sempre à procura dele, desorientado entre opções, tutelas e exceções que convencem cada vez menos os portugueses. O governo aposta tudo no papel do "bom aluno", diferente - felizmente! - da Grécia. Mas é um "bom aluno" especial, que procura convencer os outros, não da excelência dos seus feitos, mas da intensidade do seu arrependimento.
Temos assim um Portugal arrependido contra uma Grécia sem remédio! É pouco, convenhamos - e onde é que isto nos leva?
SEM ILUSÕES
Há um ano, ainda havia a ilusão dos "indignados", que enchiam os media. Mas esta indignação, como então aqui escrevi, podendo ser um forte detonador mediático, será sempre um fraco operador político. Sobretudo porque vive da ilusão da democracia impolítica.
No fundo, a indignação talvez não seja hoje (como intuiu A. Finkiel- kraut) senão o que resta das paixões políticas, quando já não se acredita, nem na política nem no seu poder de transformação. E se assim for, é a questão dos partidos como operadores centrais da mudança em democracia que permanece nuclear. Dos partidos que temos e dos que devíamos ter.
Vasco Pulido Valente sinalizou bem, na semana passada, a ilusão em que se vive "de que, quando a crise acabar (se a crise por acaso acabar) o velho jogo dos partidos vai continuar como se nada tivesse acontecido". Não vai - o mais certo é que esteja tudo partido e desconjuntado. Face ao descrédito dos partidos actuais e à sua incapacidade para se reinventarem, impõe-se cada vez mais a necessidade de um novo partido (ou até mais) que, com ideias novas e práticas completamente diferentes, seja capaz de abrir caminho para uma Nova República. É bem possível!
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